1. O que é imunodeficiência?
Nosso sistema imunológico é como um exército, onde existem diferentes armas, todas importantes para manter a defesa do organismo de forma adequada. A primeira linha de defesa é formada por células do sangue, denominadas glóbulos brancos (fagócitos), e por proteínas do sangue capazes de destruir microorganismos (sistema complemento). Quando estes componentes não conseguem destruir os microorganismos, o organismo lança mão de células específicas, denominadas linfócitos T e B.
Imunodeficiência é um grupo de doenças, caracterizadas por um ou mais defeitos do sistema imunológico. Como conseqüência destas alterações, o indivíduo se torna mais propenso a apresentar grande número de infecções.
2. Estas alterações do sistema imunológico são hereditárias?
Existem dois grupos de alterações imunológicas. O primeiro grupo é constituído por defeitos hereditários, provenientes dos pais, e geralmente iniciam-se na infância, embora em algumas situações só se manifeste na idade adulta. Nestes casos, outros membros da família podem ser também, afetados. Estas alterações são conhecidas como imunodeficiências primárias ou congênitas. O segundo grupo é constituído por defeitos não hereditários, mas secundários a outras condições, como, por exemplo, desnutrição e infecção pelo HIV (vírus causador da AIDS). São conhecidas como imunodeficiências secundárias ou adquiridas, sendo estas muito mais freqüentes que as imunodeficiências primárias.
3. Todas as crianças com infecções repetidas têm imunodeficiência?
Não. Estima-se que entre as crianças portadoras de infecções repetidas encaminhadas para investigação, aproximadamente 50% delas sejam imunologicamente normais, 30% sejam alérgicas, 10% sejam portadoras de outras doenças não imunológicas, e apenas 10% sejam portadoras, realmente, de alguma imunodeficiência. Nos casos de suspeita de imunodeficiência, o médico deve fazer uma avaliação completa do sistema imunológico, para verificar o seu funcionamento.
4. Os recém-nascidos são imunodeficientes?
Não. Os recém-nascidos recebem anticorpos passivamente da mãe, através da placenta, nascendo, desta forma, com níveis adequados de anticorpos, o que lhes propicia proteção contra infecções nos primeiros meses de vida. Porém, durante o primeiro ano de vida, a criança passa por um processo fisiológico de imaturidade de seu sistema imunológico, o que a torna mais vulnerável a infecções. Neste sentido, o aleitamento natural, que é uma fonte rica de anticorpos e outros fatores de defesa, desempenha importante papel na proteção do lactente, especialmente no primeiro ano de vida.
5. Crianças com resfriados mensais devem ser investigadas para imunodeficiência?
Não. Resfriados são infecções virais, geralmente sem gravidade, que frequentemente acometem crianças saudáveis, especialmente as que freqüentam creches e escolas. Portanto, desde que não haja complicações para infecções mais graves, os resfriados freqüentes não sugerem alterações da imunidade.
6. As imunodeficiências só se manifestam como infecções repetidas?
Não. Algumas vezes as imunodeficiências podem se manifestar como diarréia crônica, retardo de crescimento, baixo ganho de peso, doenças alérgicas graves, doenças autoimunes (por exemplo, lúpus e artrite reumatóide), tumores e alterações no sangue (anemia e diminuição de glóbulos brancos).
7. Crianças com imunodeficiências devem ser seguidas por longo tempo?
Sim. Algumas imunodeficiências podem apresentar complicações e evoluir para outras doenças, especialmente a partir da adolescência. Desta forma, as crianças deverão ter acompanhamento médico até a vida adulta.
8. As imunodeficiências podem levar à morte?
O prognóstico das imunodeficiências depende de uma série de fatores. A idade da criança na época do diagnóstico é extremamente importante. Quanto mais precoce o diagnóstico, melhores são as chances de uma boa qualidade de vida para o paciente. Por outro lado, quando o diagnóstico é feito tardiamente, a probabilidade de ocorrência de complicações e seqüelas é muito maior, inclusive com risco de morte. Por isso, é muito importante que as crianças sejam levadas rotineiramente ao pediatra, desde os primeiros meses de vida. Outro fator que muito influencia no prognóstico é o tipo de imunodeficiência, pois algumas delas envolvem risco de morte, caso não sejam tratadas rapidamente.
9. Existe tratamento para as imunodeficiências?
Existem diferentes formas de tratamento, dependendo da imunodeficiência. Algumas modalidades de tratamento consistem de medicações para estimular a produção de glóbulos brancos, a reposição mensal de anticorpos, a terapia gênica (ainda não disponível no Brasil), e o transplante de medula óssea, já realizado em nosso país para várias imunodeficiências. O mais importante é que as imunodeficiências sejam corretamente diagnosticadas, para que o tratamento mais adequado seja indicado o mais precocemente possível.
10. Realizando-se estes tratamentos não será mais necessário o uso de antibióticos?
Não é bem assim. Estas formas de tratamento têm a finalidade de melhorar o funcionamento do sistema imunológico, mas o uso de antibióticos será necessário todas as vezes que ocorrerem infecções, como por exemplo otites, sinusites ou pneumonias. Há casos, também, em que o paciente já apresenta seqüelas decorrentes das múltiplas infecções, e o uso de antibióticos continuamente pode ser necessário. Também existem algumas imunodeficiências, cujo único tratamento recomendado no momento é o uso contínuo de antibióticos para reduzir as infecções.
11. É necessária alguma restrição alimentar para os pacientes com imunodeficiência?
Não. Recomenda-se uma alimentação saudável e a mais balanceada possível, fornecendo todos os nutrientes necessários. Porém, deve-se ter muito cuidado com as frutas e verduras cruas ingeridas fora de casa, pois elas podem não ser bem lavadas e transmitir infecções e parasitoses intestinais. Desta forma, recomenda-se que os pacientes comam frutas e verduras cruas apenas em suas próprias casas, ou de familiares cujo cuidado no manuseio seja conhecido.
12. Que problemas o paciente pode apresentar se não produzir anticorpos?
Quando não se produz anticorpos ou quando eles não estão funcionando adequadamente, o risco do desenvolvimento de infecções repetidas é muito alto, havendo necessidade do uso de antibióticos com freqüência. Ademais, estas infecções podem ser graves, necessitando hospitalização.
13. Pacientes que recebem anticorpos mensalmente deverão ser tratados pela vida toda?
Para algumas imunodeficiências este é o tratamento recomendado no momento em qualquer parte do mundo. Então o tempo que vai receber esta medicação é indeterminado ou até surgir um outro tipo de tratamento.
14. Existem riscos deste tratamento com anticorpos?
Os anticorpos são derivados do sangue. O risco de adquirir uma doença utilizando esta medicação é muito baixo. O processo de fabricação desta medicação passa por uma série de etapas, que têm por objetivo retirar quaisquer microorganismos que por ventura possam estar presentes. Entretanto, os pacientes são sempre monitorados com exames de sangue, e sempre terá um medico que o acompanha no decorrer do tratamento.
15. Pacientes com imunodeficiências podem ter filhos?
A imunodeficiência, por si só, não contra-indica a gravidez ou a possibilidade de ter filhos. Porém, para algumas imunodeficiências há um risco significativo de os filhos apresentarem o mesmo problema. Pais consangüíneos (parentes entre si) também têm uma chance maior de terem filhos com imunodeficiência.
16. Pacientes com imunodeficiências podem receber vacinas?
Depende do tipo de imunodeficiência. Em algumas situações, como deficiências do sistema complemento ou de fagócitos, são recomendadas, inclusive, as vacinas especiais não oferecidas à população pela rede pública. Entretanto, as vacinas de microorganismos vivos atenuados (por exemplo, BCG, febre amarela e tríplice viral) são contra-indicadas em determinadas imunodeficiências. O pediatra poderá fazer as orientações necessárias.
Texto elaborado pelos Drs Pérsio Roxo Júnior e Tatiana Lawrence